quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Vencedor

Tinha a dúvida de que, sendo o obamismo um movimento, o Homem, que lhe é muito superior, não acabasse sufocado por ele, O primeiro sinal foi em contrário e alegra-me registá-lo. É normal fazer discursos de apelo à unidade, depois de uma corrida eleitoral, naquele País. Menos, já, é insistir na identidade partidária oposta de um predecessor dado como exemplo, qual o caso de Lincoln, do mesmo homestate do Presidente Eleito, mas da cor política contrária. E a retórica dominadora de que faz gala voltou a servi-lo, não sendo arrastado pela ritual gritaria do slogan célebre pela mole humana impaciente, antes retardando o momento em que o rifão era repetido, mas depois - e só depois - de o Orador dar o mote.
Aliás, esta entoação de yes we can trouxe um revivalismo religioso à campanha, é nitidamente um prática de serviço sacro. Só se falou desse aspecto para apontar ideologias das populações, ou dar conta dos males de que a companhia do radical Reverendo Wright poderiam trazer, eleitoralmente. Muito mais interessante, quanto a mim, seria auscultar a penetração que este modo tipicamente sacro-cultual permitiu, desde as comunidades ruralistas do Iowa, aos rombos no apartheid de facto que, até agora, vigorava estritamente entre os Baptistas do Sul, muito cortejados pela próxima Primeira Dama. Interessante, num País feito para reduto de uma Cristandade não-ortodoxa, que tais comportamentos surjam de um Político membro da Igreja Unitarista, a que procura congregar aspirações de Espiritualidade que não fazem questão do Cristianismo prévio, chegando mesmo a oferecer abrigo a ateus, coisa pouco pensável na Presidência, apesar do cepticismo de um Andrew Jackson.
Na prelecção da vitória vimos o segundo acto de autoridade bem sucedido de Obama. O primeiro foi a recusa em ceder às pressões para que escolhesse Hillary como vice. Talvez tenha aí começado a cimentar o triunfo que já desenhara ao transformar a rede de donativos da Internet que herdara de Dean numa poderosa máquina de recolha de fundos mais abrangente do que a que se resumisse à ala radical dos Democratas. Veremos se tantas esperanças não se virarão contra ele. Tenho a sensação de que é difícil um nível tão alto de expectativas, coisa de que Clinton e Bush não beneficiaram, deixar de cair na desilusão extrema.

15 comentários:

CPrice disse...

espero sinceramente que o "deixem" trabalhar, Meu Amigo .. porque a capacidade de inspirar alguma esperança ele tem certamente.

Dia bom por aí :)

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Once,
claro que espero que a governação dele tenha bons resultados. Quanto a deixarem-no ou não, tenho de ver as propostas concretas, a plataforma eleitoral era bastante vaga e duvidosa.
Beijinho

Anónimo disse...

Muito bem, Paulo! Oito anos de bushismo deram, sem dúvida, um grande élan ao candidato do Partido do Burro. Espera-se que não faça jus à conotação, mas ficam no ar muitas dúvidas em relação ao que se segue. Neste momento, a política económica e consequentes reflexos para a Europa é o que mais me assusta. Aparentemente, já se afastou do Rev. Wright o que é bom, mas temo que surja uma nova onda racial. Now We Run the Show! Black Rules!

Abraço.

Ka disse...

Bem, pelo menos fica a esperança de uma mudança pois estes 8 anos foram de uma arrogância governativa sem igual...

Vejamos agora a cenas dos próximos capítulos!

Beijinho

ana v. disse...

Belíssima reflexão, Paulo, concordo plenamente contigo: o homem parece-me muito melhor do que a histeria colectiva que inspirou. Mas era de esperar que isso acontecesse, é humano. Como também serão de esperar interpretações dúbias e comportamentos excessivos, como refere o Mialgia, e é aí que veremos se Obama se impõe verdadeiramente e sem provocar novas roturas. Se o deixarem, claro. Tudo está ainda por acontecer.
Bjs

Patti disse...

Tanto post sobre Obama, tanto post sobre Obama, tanto post sobre Obama que calhou o seu post para eu brincar um bocadinho e desenjoar desta diarreia Obamaníaca.

Então se ele representa a mudança no mundo e esta terrinha ainda faz parte dele, estou mortinha por saber o que ele pensa fazer sobre os contentores de Alcântara!

Marie Tourvel disse...

Leia isso, Paulo. É uma coluna de Diogo Mainardi, um amigo querido, para a revista Veja.
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/051108/mainardi.shtml

Beijo

Gi disse...

Esperemos que não haja percalços (daqueles medonhos) e que os primeiros 4 anos sirvam para pôr a Casa em ordem, para que nos outros 4 se veja um MUNDO melhor.

Luísa A. disse...

Faço minhas as oportuníssimas palavras da Patti, Paulo. Também quero ver o que é que ele diz sobre os contentores de Alcântara! ;-D
P.S.: Mas concordo com a sua análise, Paulo, e também com a sua conclusão. É, aliás, impossível que mantenha, por muito tempo, o apoio de gregos e troianos. A sua actuação prática terá, necessariamente, de acabar por desagradar a uns ou a outros. Resta saber quais…

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Mialgia,
é também a monha preocupação primeira, por isso é qe ontem exprimi o receio de que a opção tributária ultimamente perspectivada resultasse mal lá, com reflexos cá...

Querida Patti,
POR FAVOR, DESENJOE-SE SEMPRE NAS MINHAS CAIXAS DE COMENTÁRTIOS!
É impossível escapar-lhe, é o tema do dia, quem faça um blogue tipo diário tem de falar no caso, a menos que se refugie numa interioridade sem clarabóias...
Quanto aos contentores, que tal mandarmos para o gabinete dele o pedido de assinatura da petição on line?

Querida Marie,
vou já para lá, obrigado pela sugestão.

Querida Gi,
tenho muito medo de um DESSES. E olhe que não necessariamente proveniente de onde seria, talvez, mais previsível. A fúria de uma decepção muito facciosa, se é que me faço entender...

Querida Luísa,
não podemos olhar só para o nosso umbigo, embora o que se prepara à beira-Tejo seja uma mutilação contra a qual urge lutar.
Pois é, mesmo sem resumé governativo, tenho muito medo do que o desencanto resultante de tanta confiança possa trazer ao Mundo e ao próprio.
Beijinhos e abraço

Maria de Fátima Filipe disse...

Querido Paulo, estou completamente de acordo consigo da primeira à ultima linha. Embora eu tenha uma particular admiração pela Hillary, a verdade que é Obama fez muitissimo bem em não a escolher. Não podem haver dois galos para o mesmo poleiro, a gestão de protagonismos seria fatal. E isso demonstra que ele sabe liderar.

Paulo Cunha Porto disse...

Ora essa é que é essa! Pode-se escolher um rival para acompanhar,como fez Reagan com Bush Pai, ou o próprio Obama com Biden, mas desde que ele tenha ficado a grande distância...
Beijinho, Querida Ariel

Anónimo disse...

Creio que a melhor análise, em língua portuguesa, foi feita pelo Corcunda. Considere, caro Réprobo, que minha opinião é cópia do recente post dele.

abs

Paulo Cunha Porto disse...

Caro ABS,
o Corcunda é sempre bom de se ler. Em relação ao post concreto, a base eleitoral de Obama é muito mais lata do que aquela, embora integre gente assim.
Mas concordo que a decomposição da atracção epidérmica que prende tanta e tão diferente gente por arames pode facilmente descambar.
Abraço

Anónimo disse...

Caro Réprobo,

Apenas para esclarecer: "abs" são "abraços", assim como "[]s". Continuo sendo o mesmo anônimo.

abraços.