domingo, 9 de novembro de 2008

Golpe no Mestre

O Professor Severo, de Jan SteenAntes do mais, devo confessar um preconceito: acredito que a única avaliação de desempenho de um professor digna desse nome é a observação do que os alunos dele vierem a ser na vida. Mas reconheço que, com a especialização e diversidade de disciplinas, seria sempre preciso isolar aquele que haja sido determinante, de todos os outros que se tenham dissolvido na poeira.
Se o afrontamento da classe docente empreendido metodicamente pelo governo socrático fosse apenas uma tentativa de melhorar o Ensino, seria uma lamentável falta de jeito, pois onde o segredo estaria na eliminação da rotina, mais não faria do que estabelecer outras - dispersivas e castradoras -, com fixações de objectivos e preocupações de carreira mais dignas de empresas do que do sacerdócio que educar deveria ser.
Estou, todavia, em crer que nos encontramos perante um exercício de demagogia refinado, prometendo a melhoria da Educação e criando um sistema impossível de aceitar, para não se vir a ser dado por culpado de nada fazer, quando, na prática, se abafa com a polémica a abstenção de cumprir o dever de selecção dos funcionários e de elaboração de programas com mais qualidade. O Sr. Sócrates nada arrisca, não só por as reacções adversas serem endereçadas à Ministra da tutela, sempre remodelável, como por a encravada simpatia pelo PS, dominante entre os que dão aulas, ameaçar sempre esgotar a contestação nos protestos, sem que extravase para os votos.
E mais, joga numa bodexpiatorização dos mestres, só possível pela alteração dos cuidados paternos na Sociedade actual. Quando os fedelhos passavam mais horas com as famílias, os progenitores apercebiam-se das mediocridades naturais da pouca idade e confiavam nos educadores quanto ao complemento da formação, aceitando a exigência como natural. Nestes tempos decadentes, para se desculparem da falta de disponibilidade para com os rebentos, acham-se dispostos a tomar partido por eles, uma vez surgida qualquer desinteligência na escola. Se somarmos isto a uma assimilação acéfala aos problemas de gigantismo ineficaz dos serviços do Ministério, estão criadas as condições para fazer do Professor um inimigo e aliar ao Primeiro Ministro uma ambicionada Maioria Silenciosa que o continue a sustentar.
Dirigente de juventudes partidárias, o Chefe do Executivo lá deve ter aprendido que dividir para reinar rende sempre dividendos. Onde o tiro lhe pode sair pela culatra é precisamente na horizontalidade que o ofício de transmitir os conhecimentos alcançou no Portugal de hoje. São em número incomparavelmente maior as famílias que têm um professor no seu seio, pelo que lhe ouvem as queixas e compreendem a gravidade. Ao ponto de muita gente que não a directamente interessada ter apoiado a megamanifestação anterior à de ontem. Os dados estão lançados.

14 comentários:

Gi disse...

Tenho a impressão que a ministra não vai ficar muito mais tempo no lugar. As leições são em 2009, não são? 1º trimestre?

Patti disse...

Inteiramente de acordo consigo, na enorme demissão dos pais da minha geração e na anterior à minha, na educação dos filhos.
Tenho uma filha no 8º ano e noutro dia numa reunião com a directora de turma, em que ela nos informava que havia alunos que não faziam os tpc, um pai exclamou, completamente surpreendido e sem vergonha na cara: ah, mas eles têm trabalhos para casa?
No 8º ano, veja bem o desmazelo deste encarregado de educação. E infelizmente não é excepção.

Os pais empurram literalmente toda a responsabilidade para a escola; não têm tempo nem querem tê-lo.
É horrível ver miúdos de 12/13 anos completamente entregues a si, o dia inteiro e à noite quando voltam para casa e os pais já lá estão, enfiam-se em msn e hi5 de uma forma total sem qualquer tipo de controle.

Os miúdos passam horas demais na escola com esta invenção destas novas disciplinas que de pouco ou nada servem, chamadas de: estudo acompanhado, formação cívica e área de projecto.

Vejo todos os dias professores a fazerem um esforço imenso, para conseguirem cumprir um programa muito extenso e do outro lado, estão encarregados de educação que colocam aos seus filhos fasquias de nivel 3: "oh filho o que interessa é não teres 'negas' e passares o ano porque isto cá fora só se arranjam os bons empregos com cunhas. As notas de 4 e 5, são para os totós ou para os meninos dos colégios privados".
Ouvi eu.
Muitos professores são bodes expiatórios de pais relaxados. Desses é que cada vez há mais.

E se continuo, nunca mais me calo.

cristina ribeiro disse...

Não sei das reivindicações dos professores, que os levam a tamanha manifestação, mas de uma coisa tenho a certeza: muita, mas muita coisa podre há nesse reino,e das consequências dessa podridão temos notícia todos os dias.
Testemunhos, muito próximos, dos desmandos dos alunos com anuência paterna, então...
Beijo, Paulo

Leonor disse...

Um dos problemas é que, depois de tanta maledicência obviamente também por culpa de alguns de nós, estamos completamente desacreditados. O que não é visível a olho nu é a resistência permanente à palavra do professor, que traz muitos problemas em sala de aula e que provoca mal-estar e instabilidade, tudo fruto desta nova corrente de "tiro ao professor". Já tive vontade de abandonar o ensino. Não admito que me desrespeitem apenas porque sou professora.
Beijinho, Paulo

Maria de Fátima Filipe disse...

Sou familiar e amiga de professores, quer do ensino secundário quer universitário. Dito isto, a convicção que tenho é que a escola pública espelha aquilo que somos como socidade, desatentos, desmazelados, preguiçosos, superficiais, com falta de brio, pouco profissionais. Os sindicatos com a Fenprof à cabeça andou 30 anos a cultivar a mediocridade, e os outros não lhe quiseram ficar atrás. Os paizinhos demitem-se de educar os filhos, eles próprios não possuem valores parâmetros, éticos morais e estéticos sólidos, preferem gastar o que não têm em férias e carros e em espaventos em vez de investirem na educação dos filhos. Como não temos uma cultura de poupança, ninguem sabe gerir nada, "os recusos nunca chegam". Toda a minha vida fui avaliada. Os professores queixam-se que esta avaliação é uma trapalhada. Provavelmente têm razão, não sei. O que sei é eles rejeitam a avaliação qualquer que ela seja. Peço desculpa aos bons professores que sei que os há, uma gota de água no oceano. Querido Paulo, desculpe o "testamento".

Beijinho.

Anónimo disse...

Subscrevo a sua análise, caro Paulo. Isto a que assistimos hoje é uma autêntica palhaçada e de ensino tem apenas o nome. O que importa é mascarar as estatísticas. Aceito que tenha que haver avaliação, mas esta ideia luminosa do Ministério é totalmente desasjustada. Quem avalia tem saber o quê e quem está a avaliar. Como muito bem refere a Patti, muitos pais não querem saber da educação dos filhos e "transferem" essa responsabilidade para os professores. Tudo isto parece saído de uma peça de Ionesco.

E as enormidades que têm sido gastas? Em nome de quê? De ficar bem no "retrato" europeu. Ainda estou para perceber para que serve aquela coisa, a Confap do inenarrável Sr. Albino que, para variar, é sustentada por dinheiros públicos.

Às vezes penso se isto não será uma estratégia para, aos poucos, ir destruindo o ensino público. Ou então, é mesmo assim. A estupidez institucionalizada no seu melhor. Quando um alegado Engenheiro envia provas por fax, a um Domingo, tudo é possível nesta terra.

Graças a Deus que não sou professor!

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Gi,
pois disse tudo, com a precisão cirúrgica habitual. Mal nos cheguemos ao tempo da campanha, a criatura é despedida pelo socrático demiurgo, com um elogio pela coragem do desempenho e outras frases de circunstância, já que com votos não se brinca.

Querida Patti,
mencionou um ponto importantíssimo, que é o do tempo escusado que obrigam agora a miudagem a passar na escola. Tenho fortes dúvidas acerca de benefícios eventuais, ainda hei-de fazer post sobre isso.
A relação dos pais com os professores degradou-se por uma dualidade de factores convergentes - o aumento de habilitações dissipou o temor reverencial que o "respeito pelos estudos infundia" e, por outro lado, uma vaga culpa por não acompanhar as crianças leva a tomar automaticamente partido pela vida fácil para eles, como que em jeito de compensação por não os apoiarem doutra forma. Depois, é o caos que nos ilustrou...

Querida Cristina,
claro que a maioria dos encarregados de Educação ainda censura a família cigana que sovou a Professora, aí do Norte, mas não notam que, mediocridade da expressão à parte, a própria atitude comunga da mesma natureza, de cada vez que defendemos meninos ao ponto de os irresponsabilizar. Estou em crer que o Governo joga muito com a animosidade gerada contra os docentes, com origem neste tipo de capitulação no dsenvolvimento do carácter.

Querida Leonor,
um bom barómetro destes sentimentos negativos consegue-se ao entrar num taxi. Já apanhei mais do que um a dizer cobras e lagartos "desta cambada que não serve para nada", referindo-se aos Professores. Claro que os políticos são tudo menos inocentes e jogam com más vontades do género. Mas tenho a percepção de que esticaram demasiado a corda e que nas classes médias começou a medrar a noção de se estar perante verdadeira perseguição, sem justficações aceitáveis.

Querida Ariel,
não sei em que pé está a coisa, neste momento, mas a ideia de chamar os Pais e os próprios alunos a interferir na avaliação era inadmissível. Seria deixar quem lecciona sujeito a uma chantagem permanente se não facilitasse a vida aos que, em primeira linha, devem ser os avaliados, por ainda não possuirem qualquer certificação. Se querem evitar compadrios e protecções de classe, não ponham colegas a avaliar-se, criem carreira inspectiva própria. E não estabeleçam estas fantasias por objectivos, como se estivéssemos a falar de vendedores, com todo o respeito que essa Profissão merece, muito embora.

Meu Caro Mialgia,
eu atribuo-o a inépcia pura. Toda a gente concorda em que os produtos do nosso sistema educativo saltam para a vida pouquíssimo qualificados. Mas o Poder não quer atolar-se na responsabilidade pela determinação de programas capazes, ou num recrutamento não burocrático-automatista de quem os dê. Então o que se faz? Uma guerra e passa-se por grande reformador.
Quanto ao episódio exemplar do termo de curso de quem sabemos,
achei que todos tinham direito. Aqui:
parafrasefacil.blogspot.com/2007/04/explicao-da-cepa-torta.html

Beijinhos e abraço

LeniB disse...

Cheguei até aqui através da Patti.
Li atentamente o seu texto e estou inteiramente de acordo.
Lamentavelmente muitos pais nada se importam que os filhos passem a maior parte do tempo ocupados com aulas, ou com outras actividades na escola, desde que isso lhes assegure mais tempo para eles. Bem sei que tudo isto é reflexo do excesso de trabalho que todos temos. Porém, a escola é, e deve continuar a ser entendida, como um espaço onde se aprendem não só matérias/conteúdos, mas também valores. Se a classe dos professores continuar a ser desrespeitada pela própria tutela, acrescido o desrespeito da maioria dos pais pelo agentes do ensino, nem quero pensar onde isto vai parar.

Leonor disse...

Todos os dias sou avaliada pelos meus alunos. Noventa minutos de escrutínio intenso desde a minha competência científica à pedagógica, desde o que digo, ao que visto e ao que sou. Não quero é perder tempo com uma avaliação cheia de buracos e espaços em branco para ser preenchida de acordo com a arbitrariedade de cada um, nem com fichas cheias de incongruências em que, por exemplo, o professor deve usar as tecnologias de informação nas aulas, caso não o faça será penalizado. Que me conste, um professor para ser competente não precisa obrigatoriamente de usar o computador ou outros meios. Isso não quero, nem quero compactuar com a reviravolta nas estatísticas do governo sem que isso signifique uma melhoria efectiva, nem quero ser avaliada pelas notas que dou aos meus alunos, nem pelo abandono escolar. Dizem os estudos científicos que o input não é igual ao output, logo com que legitimidade sou avaliada por algo que não é da minha total responsabilidade? Uma manhã ou uma tarde de aulas na escola seria suficiente para se entenderem muitas coisas antes de tantas certezas.

Leonor disse...

Esqueci-me de dizer que não quero avaliar os meus colegas. É falso o que disse a Ministra ontem, não são necessariamente os mais velhos.

Paulo Cunha Porto disse...

Querida LeniB,
em primeiro lugar, muito Bem-Vinda, fico devedor à Patti de mais uma Gentileza.
Essa tristíssima degradação do conceito em que os papás têm os mestres dá azo à pior das demagogias, a dos decisores que procuram ser... avaliados pela hostilidade que demonstrem a Elementos momentaneamente menos populares que, afinal, também devem servir.
Claro que tem toda a razão na falta de tempo disponível que refere, a qual origina, além de uma instilação de "safa-te como puderes" como Norte da pequenada, uma vingança egoísta em férias, não só do emprego, como também da proximidade dos filhos.
É sumamente triste que o detentor do Poder vá surfando nas vagas da desconfiança contra os que dele dependem, em vez de promover a concórdia, com todos esforçando-se, em conjunto, para melhorar o aproveitmento.

Querida Leonor,
Ah, mas essa era a avaliação que eles sabem, podem e devem fazer, os primeiros passos numa vida de aquilatações de cada caso humano que se cruza com cada um de nós. No aspecto técnico é uma irresponsabilidade pretendê-lo, pelo que também menciona: geraria uma troca de transigências que, a prazo, pioraria ainda mais a situação.
Penso que a Ministra, naquela entrevistinha que vi na TV, disparou para todo o lado sem seuer a articulação de outras defesas.
Beijinhos

Anónimo disse...

Está excelente! É pena, porque o McGuffin técnico é imprescindível em qualquer curriculum.

Abraço.

ana v. disse...

Talvez os Magalhães tenham sido introduzidos no ensino para espiar e avaliar os professores, esses perigosos revolucionários que querem derrubar o governo...

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Mialgia,
e com nota de Bom garantida!

Querida Ana,
Fizeste luz, Cara Mia! Agora percebo a razão do nome: não se reporta ao Navegador, mas ao Secretário de Estado da Administração Interna, o Zé do apelido.
Beijinho e abraço