sábado, 22 de novembro de 2008

Ai, os Remakes!

Nada como falar com conhecimento de causa: vi «Reviver o Passado em Brideshead», o filme, Não é tão mau como eu temia, mas, ainda assim, infinitamente inferior à série. Por exemplo, o actor que faz de Charles Ryder vai bem, mas a personagem está deliberalmente alterada, para lhe diminuir as ambiguidades. Onde no seriado sobressaía uma luta interior que queria preencher a ausência de Fé e a da Família, aqui pinta-se o equivalente em tons de mero arrivista, com uma descrença no limiar da anti-religiosidade, para a opor convenientemente aos outros, como que com medo de que o Público não percebesse o que estava em jogo. Por exemplo, quando Lady Marchmain lhe pergunta se é apenas agnóstico, e ele responde que é antes ateu, falseia-se não só a versão anterior, como o texto do livro, em que, perante um irmão mais velho de Sebastian igualmente antipático, mas menos grotesco, é o próprio protagonista que emenda o seu parceiro, dizendo que era agnóstico, quando o amigo o dera como ateu.
Também a Marquesa está simplificada de uma forma que menoriza a personagem. O overacting de Thompson acentua a opção de a pintar como uma vigilante manipuladora que somente queria usar o compincha do filho, enquanto que o auto-controlo ostensivo de Claire Bloom dava a medida de uma conformação a um entendimento dos desígnios divinos que explicavam uma força interior disciplinadora que queria genuinamente fazer amizade própria com o colega do filho rebelde, o que corporizava, para este, uma ameaça muito mais subtil, a da exclusividade em perigo.
Também Julia está empobrecida, a um tempo menos trágica e frágil, o que não é tão paradoxal como possa parecer.
Mas, acima de tudo, Lord Sebastian Flyte revela um miscasting tremendo, com um actor de físico algo aciganado, refugiado no semi-cerrar de olhos fácil, muitíssimo inferior à inesquecível composição de Anthony Andrews, sempre altivamente distanciado dos seus e desdenhoso de si, salvo na intensidade das compensações afectivas, como mostra este excerto.
O filme está longe de não se poder ver, apesar da insistência caricatural no que todos os adversários gostam de encontrar no Catolicismo, as pretensas facilidades da Confissão, despojadas do drama interior do arrependimento sincero. Mas jamais será um motivo de culto para uma geração jovem, como o foi para a minha a primeira filmagem. O esquematismo que triunfa sobre a indefenição das hesitações compreensíveis e dolorosas nunca é bom conselheiro como princípio artístico.

11 comentários:

Ka disse...

Querido Paulo,

Ainda bem que o foi ver pois assim já não vou eu :)

Ando a rever a série em dvd e por isso sairia irritada do cinema com toda a certeza :S

Beijinho

Anónimo disse...

A Ka disse bem. A vontade de o ver era pouca, agora passou a nula.

Não me recordo de ter visto um único remake mehor que o original.

Abraço.

ana v. disse...

Também tenho medo de ir ver o filme, Paulo. A série é um verdadeiro culto, e além dos actores insuperáveis tem um formato que se presta à exploração dos vários planos da personalidade riquíssima das personagens. No filme duvido de que haja tempo e ângulo para todo esse pormenor, o que é logo uma desvantagem. Esquematizar matéria tão fluida não pode dar bom resultado, realmente.
Mas talvez a Emma Thompson me leve lá, apesar de tudo.

Beijinho

cristina ribeiro disse...

É difícil a tarefa de a igualar, é...
Beijo

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Ka,
não queria desmotivá-La.
Tenho a sériegravada em cassettes de vídeo, mas vou comprar o DVD.
Ah, por favor,corrijam a grajla vom qde sau o que devia ser "indefinição", este malvado YouTube não o deixa fazer...

Meu Caro Mialgia,
é difícil, é.
Lembra-Se do trailer que publiquei no blogue colectivo? Apesar de tudo, é menos mau do que ameaçava, porque a explicitação não vai ao ponto de eliminar a complexidade das relações. Mas que as personagens ficam mais banalizadas, parece-me inegável.

Querida Ana,
a Thompson não vai mal, só ue a opção de a dar como á da fita tira toda a densidade que o texto pede. Fui confirmar algumas passagens e há alterações de vulto, como que como fito de separar os bons dos maus...

Querida Cristina,
até porque todo o triunfo de Deus que Waugh decerto pretenderia como um triunfo humano, aparece aqui despido das buscas e lutas interiores, resumindo-se quase ao Sinal da Cruz do agonizante Marquês de Marchmain.
Beijinhos e abraços

Luísa A. disse...

Paulo, estava com imensa curiosidade. Mas parece-me poder depreender das suas palavras que o filme está imbuído de um certo espírito de cruzada anti-católica, tão do gosto de uma certa linha de produção artística anglo-saxónica. Se é assim, já sei que me vou irritar e prefiro não ir. Não pelo sentido anti-católico, que me desagrada, mas poderia engolir. Mas pelo espírito de cruzada que, nestes nossos tolerantes tempos, digiro mal. :-)

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Luísa,
não chega a tanto, até porque o texto de Waugh não o consentiria. Mas na redução da interioridade das personagens está ínsita uma valoração negativa da homogeneidade da observância, se me faço entender, de que quase se tira o gesto moribundo do auto-marginalizado patriarca de Brideshead como uma derrota provisória da via aconselhável, embora o despojamento de Ryder das convulsões espirituais também deixe o outro lado em maus lençóis.
Beijinho

Safira disse...

Tinha curiosidade de ver o remake porque já não me lembro muito bem da trama da série, que acompanhei intermitentemente. Mas a angústia de estar sempre à espera de ver o Jeremy Irons, sabendo que ele não chegará, desencoraja-me fortemente. A sua análise não me tranquilizou, pelo que procurarei ler o livro ou adquirir a série em DVD para colmatar as minhas lacunas de memória.
Beijinho e bom domingo

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Safira,
a série, recomendo a série, é dos casos relativamente restritos em que a adapatação, quanto a mim, excede o escrito.
Beijinho

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Querido Paulo, também já o disse no tempo das Afinidades, eu recuso-me ver a nova versão, quero guardar a outra na memória.

b.q

Paulo Cunha Porto disse...

A outra está muito longe de ser sequer ameaçada. Masmo assim, o meu pessimismo fazia acreditar em que... ainda podia ser pior. Eis como cheguei ao mesmo vício do Dr. Pangloss, pela via inversa.
Beijinho, Querida Júlia