quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Papéis e Papelões

A grande revolução mediática dos últimos tempos foi feita pelos jornais de distribuição gratuita, recebidos por mim com desconfiança e por muitos com a classificação de subimprensa. Hoje, sou menos crítico. Nem tanto por uma analogia com o que Mário de Carvalho, certa vez, me ensinou, numa entrevista que me concedeu - a necessidade de uma subliteratura para gerar hábitos de ler. Mais porque muita gente completamente afastada da curiosidade por tudo o que fosse além do limite do seu bairro passou a expandir um pouco o seu horizonte. E, sobretudo, porque passou a haver um acervo fáctico sobre o qual se podem fazer incidir as conversas, onde dantes era preciso regredir ao momento de relatar cada acontecimento, para, a partir daí, desenvolver. Um pouco como a leitura das Epopeias entre os Gregos Antigos, ou a da Bíblia, em certas fases da Sociedade Cristã.Há outro motivo de esperança: os jornais tradicionais têm agora de marcar uma diferença, face a folhas que não custam e são distribuídas com alguma agressividade. Isso significará que o pessoalismo que intervém nas peças virá, provavelmente, a ter um conteúdo muito mais criativo, não repetindo a degradação da imprensa desportiva que, renunciando às peças de antologia dos antigos redactores de «A Bola», passou quase a remeter-se à publicação das sínteses das agências.O que acabará por devolver alguma personalidade aos Leitores, a da escolha que os fará enfileirar em classes como as que o Minister Hackett enuncia, em Inglaterra. Mas o perigo supremo está em cair no que Ezra Pound definiu como a leitura mais desprezível: a do homem que acredita no que lê nos jornais. Atenção à conclusão do Bernard, tudo acaba aí. Onde o quadro do Courbet era o alfa, este será o ómega do interesse profano.

21 comentários:

cristina ribeiro disse...

Querido Paulo, passo aqui muito rapidamente, para dizer que estou numa pausa- que espero curta- nas minhas incursões blogosféricas.
Beijo

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Cristina,
ainda o desgosto do cachorrinho?
Tem todo o meu apoio, mas não Se deixe abater pela maldade humana.
Beijo

Nelsinho disse...

E aqui estou, meu amigo, fazendo uma visita ao seu novo espaço!

Virei, sempre que possivel...

cristina ribeiro disse...

Não, não, meu Amigo: muito trabalho!

Luísa A. disse...

É um momento hilariante, Paulo. Embora em todo o lado haja, presumo, os «paralelos» – ou seja, o jornal dos que pensam que governam o país, o jornal dos que pensam que deviam governar o país, o jornal dos que realmente governam o país, e por aí fora – não estou a ver qual será o nosso (bem português) «paralelo» do The Sun… ;-D

Patti disse...

Sabe Paulo, outro fenómeno se deu com o aparecimento dos jornais gratuitos.
Os citadinos, graças aos Destakes desta vida, cumprimentam-se agora todas as manhãs; trocam jornais entre si; tome lá o Jornal da Região e passe para cá o Metro; têm melhor hálito, por causa das pastilhas que são oferecidas com os jornais; dizem com licença, quando perguntam ao vizinho do lado: se já acabou de ler, pode emprestar-me o jornal?

Arrisco-me mesmo a dizer que se encetaram cordiais relações de amizade, nestes muitos 10m de todas as manhãs.
É fantástico! Uma verdadeira revolução deu-se nos transpores públicos das grandes cidades do nosso país.

E tenho muitas saudades desse Primeiro Ministro.

MySelf disse...

Olá!

Eu passo a vida atráz de ti...

Beijinhos

CPrice disse...

"The temple is holy because it is not for sale" .. talvez seja o que se procura na gratuitidade da notícia, digo eu do "alto" da minha conhecida "ingenuidade" ;)

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Nelsinho,
Que bom vê-Lo cá! Venha, venha, que sempre será grande Alegria recebê-Lo!

Ah, bom, assim sendo, Querida Cristina, já cá não está quem falou.

Querida Luísa,
uma das minhas ambições ocultas, ao postar, era ver algum Leitor estabelecer os paralelos lusos da coisa...
Fosse este blogue impresso, fosse este blogue impresso...

Querida Patti,
extraordinário Contributo! Essa das pastilhas, na minha insensibilidade inelutável, não tinha conseguido detectar. Mas, realmente, já tinha reparado numa sublimação dos costumes. Embora nunca tenha caído nessa, antes deste surgimento vi várias lutas, num caso até física, por jornais deixados no combóio. E, aí contra mim falo, a.i.g. (antes da Imprensa gratuita), o quotidiamo do trajecto trazia como brinde forçado o vizinho do lado debruçado para o interior do nosso jornal. Certa vez fiquei coradíssimo quando uma Senhora me perguntou se eu dava licença que virasse a página...
Somos dois. E então o Sir Humphrey...

Querida Myself,
são as vicissitudes da vida. As boas notícias estão em que acabas por encontrar-me. Bem-Vinda!

INGENUIDADE, Querida Once? Desde quando é o termo sinonímico de sagacidade? Há muitas formas de pagar, já dizia Chesterton. Mas quando o preço é firmado em moeda corrente, lá está o passo bíblico dos Vendilhões do Templo a influir na respectiva dessacralização.
Beijinhos e abraços.

Anónimo disse...

Meu Caro Paulo,


Pois eu não partilho desse seu optimismo moderado. De um ponto de vista conceptual, Mário de Carvalho não deixa de ter boas intenções e alguma razão. A subliteratura tem apenas o mérito de pôr as pessoas a ler um pouco mais. Só isso. Mas tem o demérito de as conduzir ao subjornalismo (vidé os mais vendidos por cá). Junte-lhes as novas gerações, fruto das sucessivas “reformas” estupendas do ensino e o panorama não se afigura nada promissor.

A questão da imprensa gratuita poder espicaçar a tradicional é pertinente mas, neste momento, um pouco lateral. Esta tem vindo constantemente a baixar as vendas não só pelo surgimento da gratuita, mas também porque as prioridades orçamentais do tuga estão cada vez mais orientadas para outras preocupações. Se acrescentarmos a isto a disponibilização online e gratuita dos media é praticamente seguro concluir que as receitas só poderiam diminuir. Verdade se diga que, e por mim falo (já que também tenho contribuído para a perda de receitas), à excepção de alguns (poucos) cronistas francamente interessantes, a panóplia jornalística é assim para o mauzinho.

O vídeo é, como tudo naquela série, excelente! Sempre actual e com paralelismos óbvios com o milieu cá da terra, meras caixas de ressonância do diktat de interesses económicos e políticos. Actualmente, e para que essa comparação fosse total era necessário que o equivalente tuga do Morning Star tivesse um farol orientador. Convenhamos que está um bocado complicado encontrar essa luz inspiradora.

Abraço.

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Mialgia,
comecemos pelo fim.
Sem dúvida, se me pedissem para escolher uma série de humor, era estinha! E quanto ao problema que sublinha em matéria de orientação, concordo inteiramente, já que a sinalização de Bruxelas entrou por caminhos que levam directamente a escolhos fatais...
Até à crise pensava-se que a Publicidade quereria sempre reservar o seu nicho de suportes de prestígio, o que preservaria um lugarzinho à Imprensa paga. Não deixa de ser irónico, a esperança no contrário da Democracia como tábua de salvação dos arautos dela...
No que não tenho opinião formada é sobre a questão de leitura de massas despertar curiosidade para voos mais altos, ou, ao invés, dazer estacionar o nível de contentamento. Penso que variará, conforme cada indivíduo. Uma espécie de "Selecção Natural", portanto. Como, afinal, tudo na vida. Mas em que a degradação dos programas de ensino não faciita, como bem disse.
Abraço

Maria de Fátima Filipe disse...

Caro Paulo boa noite. As saudades que tenho do "Yes Minister", ai ai .... Concordo com a sua conclusão na resposta que dá acima é mesmo uma questão de selecção natural. A inquietação e a curiosidade pela leitura podem ser estimuladas mas não mais que isso.

Anónimo disse...

Só para dizer (repetir) "que saudades do Prime Minister".
Já não há nada assim...

Anónimo disse...

Caríssimo

Tenho para mim que uma das razões para tanta aceitação dos jornais gratuitos é...serem gratuitos. O tuga aceita tudo o que lhe dêem de graça...Talvez esteja aí um filão a explorar...Se ler (e trocar) estes jornais for um incentivo à leitura, porque não?

O próximo passo poderia ser a distribuição dos grandes clássicos com esses jornais...Se calhar faria mais efeito do que os milhões que são esbanjados com a "educação"...

Ab

Paulo Cunha Porto disse...

Querida Ariel,
respondo com um Bom Dia. Sem dúvida, aquele era o (Prime)Minister que nos convinha.
Eu creio que a mrlhor forma de estimular a Leitura é,na mocidade, dar a ler textos de qualidade que toquem os primeiros interesses da Miudagem, mas, simultaneamente, estabeleçam levantamentos de lebres conexas. Como os links, para nós, enfim!

Querida Hi,
e o que mais me atormenta é que, tendo falecido os dois principais intérpretes, nos temos de cingir ao que ficou feito!

Meu Caro TSantos,
talvez e com formato menos intimidante. Já são uns poucos os casos que conheço de pessoas que dizem com orgulho só lerem jornais e revistas, nunca livros, objecto do seu desprezo. Precisamente o contrário da recomendação de célebre Professor Universitário, o qual dizia que qualquer coisa realmente importante que viesse na Imprensa Diária acabaria por ser conhecida, sem ser preciso nela gastar tempo e olhos.

Anónimo disse...

Meu caro Paulo:
Parece-me inegável o contributo positivo dos gratuitos, em termos de hábitos de leitura de jornais.
Duvido é que contribuam para uma maior clarividência e incremento da capacidade discursiva dos portugueses. Sabe o que me faz lembrar?
Aqules pais que oferecem aos miúdos livros infantis em banda desenhada, acreditando que assim lhes estão aincutir hábitos de leitura. Ora a mim não me parece que ler "Os 3 Mosqueteiros" ( por exemplo apenas) em banda desenhda, seja o mesmo que ler "Os 3 Mosqueteiros"...mas se calhar estou errado!
Grande abraço

Patti disse...

Querido Paulo, se me permite vou ali meter conversa ao também muito querido Carlos Barbosa de Oliveira, a quem acompanho há muito tempo e de quem já sou 'amiga'.

Carlos eu amo ler, devoro livros, não saio de casa sem um na mão e há muitos e muitos anos que o faço, procuro sempre novos autores e confesso que principalmente nacionais, releio os clássicos sempre que tenho oportunidade, tenho pelo menos sempre dois livros a ler no porta-luvas do carro e a minha mesa de cabeceira, mais aprece uma mini-estante.

E perguntam-me às vezes, mas donde te vem esta paixão ou qual foi o grande autor que te influenciou a leitura. E eu respondo, perante a cara do incrédulo que está a minha frente à espera de um Charles Dickens: foi o Patinhas e a Vovó Donalda, a Mónica e o Cebolinha, o Zé Colmeia, O Gasparzinho e o Riquinho, O Mandrake e o Fantasma. São esses os responsáveis pela minha adoração em ler e ainda hoje os guardo todinhos num local especial.
E só mais tarde conheci a Enid Blyton.

(eu tenho na gaveta um post sobre este tema)

Anónimo disse...

Claro, o importante é começar a GOSTAR DE LER. O QUE se lê, vem a seguir. É como os vinhos...

Ab
T

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Carlos Barbosa de Oliveira,
é candentíssima a questão que põe. E a lembrança de «Os Três Mosqueteiros» cala-me muito fundo, por, como pode atestar o TSantos, ter sido importantíssima, na minha infância. Mas fi-lo numa versão de compromisso. A primeira versão que li foi na colecção «Histórias», da Bertrand, em que a páginas de texto intercalavam com as de BD...
Recorda-Se dela?

Querida Patti,
dá-me muitíssimo gosto que cavaqueie aqui com o Carlos, ou Qualquer Outro Convidado. também eu passei pela Escola Disney em versão Brasileira. Ainda tenho aí um malão cheio deles. E hoje o mal acva-se muito agravado, ai se se acha!
Ficamos todos em pulgas por esse post.

Meu Caro TSantos,
inteiramente de acordo, com a ressalva,também importante de não se ficar preso a um género, identificado com a Leitura na sua totalidade, perigo para que alertou o Carlos.
Beijinhos e abraços

Tiago Laranjeiro disse...

"Os Três Mosqueteiros" foi uma obra que povoou o meu imaginário infantil, e o curioso foi a forma como entrei em contacto com o romance, através não de livro ou de BD, mas do "Moscãoteiros" televisivos... Estou com Patti, a minha relação com os livros começou com o "Príncipe Valente" (e só mais tarde veio o Tio Patinhas...).

Quanto aos jornais gratuitos, não estou tão certo que a consequência será a elevação do nível dos jornais pagos. Agora, as notícias produzidas pelos jornalistas pertencem aos grupos editoriais para os quais a produzem. Assim, uma notícia produzida por um jornalista do DN aparece também no gratuito Meia Hora, por exemplo.

Abraço!

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Tiago Laranjeiro,
os «Moscãoteiros» eram uma delícia de animação.
Acerca da divisão noticiosa em blocos, terá muita razão, mas, sinceramente, não noto divergências por aí além entre os vários orgãos graciosamente circulantes. Talvez pela condensação. E o alinhamento é bem similar.
Abraço